terça-feira, 6 de novembro de 2012

A Tripla Jornada Feminina - Descobrindo o Mito da Beleza

Na década de 70, quando, finalmente, ocorreu a emancipação feminina e as mulheres conquistaram o direito de ter uma carreira e um trabalho, muitas ainda eram as únicas responsáveis (e muitas são até hoje) pelos trabalhos domésticos e pelos cuidados com os filhxs, perfazendo uma carga horária de trabalho duas vezes superior a do homem na época, com a soma entre o trabalho dentro e fora de casa.

Mesmo com essa dupla jornada as mulheres estavam conquistando muito espaço no mercado de trabalho e em pouquíssimo tempo. No livro de Naomi Wolf, "O Mito da Beleza", publicado em 1991, ela cita os seguintes dados "Nos Estados Unidos, entre 1960 e 1990, o número de advogadas e juízas subiu de 7.500 para 180.000; o de médicas, de 15.672 para 108.200; o de engenheiras, de 7.404 para 174.000. Nos últimos quinze anos a quantidade de mulheres eleitas para cargos públicos municipais triplicou, atingindo o número de 18.000".

Como era de se esperar essas conquistas não foram bem vistas pelo nosso querido sistema patriarcal e nosso governo (composto em sua grande maioria por homens). Com as mulheres mostrando-se tão capazes e inteligentes, uma igualdade absoluta de gêneros, geraria uma maior concorrência no mercado de trabalho e mais trabalho em casa para os homens.

O sistema precisou criar um backlash imediato, e sua primeira tentativa foi aumentar a carga horário de trabalho da dupla jornada por não fornecer creche em número suficiente para todos. Afinal uma mente ocupada o tempo inteiro com duas jornadas, não teria tempo para pensar em outras trivialidades como direitos iguais e em promoção para cargos superiores. Mas nós mulheres somos engenhosas, e muitas começaram a contratar mulheres de posição social inferior para realizar o trabalho doméstico e auxiliar nos cuidados com os filhxs. Atualmente, só na cidade de São Paulo, mais de 175 mil crianças aguardam vaga para creche. As mães que não têm condições de pagar uma creche particular, acabam deixando seus filhxs, com amigxs, vizinhxs e familiares, para poder conquistar sua independência e lutar por suas carreiras. Portanto o sistema, apesar de prejudicar milhares de mulheres e crianças com a falta de creche, ainda assim não conseguiu conter o avanço feminino.


As mulheres já tinham a carreira/trabalho + trabalho doméstico/maternidade, porém o sistema achou que havia ainda muito "tempo livre", tempo esse que podia ser usado para pensar (!), para crescer na carreira, para ocupar maiores posições no mercado de trabalho e para alcançar melhores resultados na luta contra a desigualdade. Esse "tempo livre" não era, e continua não sendo, interessante para o sistema patriarcal e para o governo. Para eles era (é) interessante que a mulher continuasse no mercado de trabalho (dentro de nichos específicos "femininos") sendo uma mão de obra mais barata, dócil, instruída, com auto estima reduzida, com tolerância para tarefas repetitivas e monótonas, alto nível de conformidade e pouca sensação de controle em suas próprias vidas. Foi então criada a terceira jornada de trabalho para as mulheres, que eu, particularmente, considero mais cruel e muito mais eficiente que as anteriores. O mito da beleza, conforme Naomi Wolf explica, é a última e melhor técnica de treinamento para forjar uma força de trabalho dessa natureza.

Antes do processo de libertação feminina as profissionais da beleza, como modelos, bailarinas, atrizes e escorts, eram anonimas, de baixo status social e não merecedoras de respeito. Atualmente estas mesmas profissionais são elevadas ao padrão de ideal, são exibidas na televisão, na internet, nos jornais, nas revistas, em todos os meios midiáticos, constantemente lembrando as mulheres que é esse tipo de "perfeição" que elas devem atingir.

A lei apoiou e sedimentou a ação do sistema. Entre 1970 e 1980, tivemos juízes:
- sentenciando uma mulher a perder 1,5 kg por semana ou ser presa
- decretando que a beleza era legalmente um motivo para ganhar ou perder o emprego
- juiz federal decidindo que empregadores tinham sim direito de fixar padrões de aparência.

As decisões judiciais e a mídia, foram as principais responsáveis pela disseminação e pelo sucesso da implantação do mito da beleza na sociedade. Para substituir o controle que a religião exercia sob as mulheres, foram criados os ritos da beleza, com uma incrível semelhanças a rituais religiosos e seitas, mas ao invés dos mesmos controlarem o apetite sexual feminino coloca um controle e um tabu semelhante ao apetite oral das mulheres.

O mito da beleza instituiu dois medos principais para controlar a mulher: o medo do envelhecimento e o medo da gordura.  Enquanto as indústrias da "beleza" lucram com nossos temores, 81% das meninas de 10 anos de idade tem medo de engordar, se pudessem ter um desejo magicamente atendido a primeira escolha de garotas de 11 à 17 anos seria ficar mais magra e 65% das mulheres/meninas tem algum tipo de distúrbio alimentar.

Duas formas de mídia e representação femininas são utilizadas contra nós: uma que "apenas" transforma nossos corpos em objetos e outra que comete violência contra ele. Enquanto a mídia vende e lucra com essas "idéias", 1 em cada 6 mulheres foi estuprada ou sofreu uma tentativa de estupro, mais de 45 mil mulheres foram mortas no Brasil nos últimos 10 anos por companheiros ou ex-companheiros, especialistas dizem que a principal causa dos crimes de violência contra o gênero feminino é devido a coisificação das mulheres, os homens vêem as mulheres como objetos, como posse.

Também no livro de Naomi Wolf, ela cita que seios, coxas, nádegas e ventres são as partes do corpo que as mulheres mais costumam odiar/reclamar. São também as partes mais importante sob o aspecto sexual. São essas as regiões espancadas com mais frequência por homens violentos. As partes que os assassinos sexuais mais mutilam. As partes mais exibidas em propagandas e na mídia. As partes que os cirurgiões plásticos mais operam. As partes que produzem filhxs e os amamentam. Uma cultura misógina conseguiu fazer com que as mulheres odeiem o que os misóginos odeiam. Elas mesmas.

"Seu estomago não deveria ser um cesto de lixo"
A menina aprende desde a mais tenra idade que as histórias só acontecem a mulheres "lindas". São ensinadas pela mídia, pelos brinquedos e por tudo que as cercam de que seu valor está em sua "beleza". Porém cada vez mais este padrão de "beleza" se afasta do atingível , e se torna realidade apenas em imagens irrealísticas modificadas pelo photoshop. Isso faz com que essas meninas se tornem mulheres em constante busca por essa "beleza", sempre insatisfeitas, sempre infelizes, o que por fim se transforma em quadros de depressão, em distúrbios alimentares, em ataques de panico, em mulheres que não acreditam em seu potencial, que não esperam grandes progressos em suas carreiras, que aceitam homens machistas em suas vidas por não acreditarem que merecem algo melhor, que acatam com tudo que o sistema patriarcal impõe por achar que elas é que são as culpadas e merecedoras do mal que lhes acomete.

Para a cultura do consumo é interessante manter estas inseguranças, mas a sobrevivência do ser humano depende do equilíbrio entre o feminino e o masculino. Só a industria de dietas movimenta por ano nos EUA, 40 bilhões de dólares. Se nós não lutarmos para acabar com estas diferenças, não lutarmos pelo equilíbrio, quem vai lutar por nós? O sistema e as industrias tem o interesse próprio deles, se a consequência é infelicidade de 52% da população mundial, para eles tanto faz, desde que o lucro continue aumentando.


3 comentários:

  1. Que post lindo menina! Parabéns.

    é a primeira vez que visito seu blog,acabei conhecendo porque o feminismo na rede divulgou.
    passarei a visitá-lo sempre pelo feed do google.

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