quarta-feira, 20 de março de 2013

Humor Revolucionário

Somos bombardeados o dia todo com piadinhas baratas, a grande maioria sempre escolhendo oprimir ainda mais àqueles que já são sempre oprimidos. Afinal que nunca ouviu piadinhas infames sobre negros, gays e mulheres? É fácil fazer graça com os preconceitos já embutidos no pensamento coletivo, difícil é quebrar este padrão, e mais difícil ainda é fazer um humor que faça rir e pensar ao mesmo tempo. 

Temos espalhados por nosso país e pelo mundo "humoristas" que acreditam que qualquer piada vale desde que faça o público rir, que acham que o humor deve ser excluído de qualquer seriedade e contexto social. Rafinha Bastos acha que é válido fazer piada satirizando as sobreviventes de um crime de estupro, Danilo Gentili acha normal fazer graça com vitimas do holocausto, e já disse em entrevista que "minha pretensão com a comédia nunca é denunciar, nunca é nada, é só destruir mesmo".

Muitos destes mesmos humorista acham que a piada não deve ter responsabilidade social nenhuma, que ela não é formadora de opinião, afinal é só uma piada, quem vai levar a sério? A questão é que toda forma de entretenimento tem sim uma função social, principalmente o humor, que reforça preconceitos e normaliza atentados contra os direitos humanos, como o desrespeito por minorias historicamente oprimidas.


O documentário "O Riso dos Outros" com direção de Pedro Arantes, mostra as facetas desta questão. No filme, a famosa blogueira feminista e doutora em língua inglesa e literatura, Lola Aronovich, após diversos humoristas soltarem a famosa perola "É só uma piada", ela responde "É um insulto". E é realmente isto, nada é apenas uma piada, o humor tem um cunho social e ideológico muito maior do que imaginamos.

Gabriel Groswald, diz uma frase interessantíssima no documentário, com a qual concordo plenamente: "O humor do qual mais gosto, é o que não ri da vítima, mas do carrasco, mas este é um processo, é um trabalho do comediante, tem que ver com a ideologia do comediante. Eu vejo comediantes que riem, por exemplo, dos pobres, e não é algo que eu goste, porque se está rindo do pobre e não me parece que seja justo."

Recomendo a todos assistirem ao documentário, pois é muito completo e interessante. Fernando Caruso, faz uma ótima piada sobre preconceito contra homossexuais, Jean Willys defende a causa das minorias de forma sublime e

O humor surgiu na antiga Grécia com as comédias gregas, e derivou da medicina humoral, onde acreditava-se que o humor era um dos responsáveis pela regulação da saúde física e emocional. Atualmente o humor é considerado uma ciência, e possui diversas vertentes teóricas. Mas uma coisa é certa, sua função é muito maior do que apenas fazer rir, visto que o humor ocupa uma função de medidor da evolução social de uma comunidade. Portanto é de uma pobreza intelectual incrível um humorista dizer que é só "uma piada".

Infelizmente estamos tão acostumados com o humor pejorativo e preconceituoso, que deixamos de perceber que o humor revolucionário já faz parte do nosso cotidiano, é claro que ainda em menor grau, mas a piada consciente e politicamente correta, já está ocupando as ruas, e é muito mais engraçada! 

Laerte, o famoso cartunista, é o maior representante brasileiro do humor revolucionário. Suas tirinhas com humor de cunho critico já ganharam muitos fã e tiveram um papel fundamental durante a ditadura com suas publicações no folhetim "O Pasquim". Veja alguns de seus trabalhos:

O retorno do falecido partido Arena.
Resposta ao Sr. Ives Gandra, por sua ignorante entrevista dada a Folha de S. Paulo.
Resposta ao infame tweet de Danilo Gentili "'1 gay é morto a cada 26 hs?' 140 heteros são mortos a cada 24  hs. Alguém ai come meu cu hj? Só por segurança."
Em resposta a polêmica e ridícula "Cura Gay" 
Em resposta ao Bolsonaro. Acho que está nem precisa de muita explicação né?
Argentina aprova lei que permite casamento entre casais homossexuais.
Em relação a escolha pessoal de Laerte de assumir ser um cross-dresser (pessoa que se veste como uma pessoa do sexo oposto)
  
O humor revolucionário ainda caminha a passos tímidos no Brasil, mas vem ocupando cada vez mais espaço, acompanhando a evolução da sociedade. Torço para que logo o humor revolucionário se torne o normal e o "humor" de figuras como Rafinha Bastos, Danilo Gentili e Cia. Ltda, tenha cada vez menos risadas.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Bíblia = Argumento Absoluto?

Revoltadíssima com a eleição inconstitucional do Pastor Marco Feliciano para presidente da comissão de direitos humanos, fui atrás de mais noticias para entender como um retrocesso deste porte ocorreu em nosso país e fiquei contente em ver a revolta de milhares contra este ato idiótico do nosso governo.

Protestos estão sendo realizados em todo o país, petições online já tem mais de 16 mil assinaturas (https://www.allout.org/pt/actions/felicianonao). Infelizmente, tive a péssima ideia de olhar os comentários deixados por leitores, nas diversas notícias online a respeito. Fiquei surpresa (pois ainda possuo grande fé na  humanidade e na população brasileira), em ver muitos comentários comemorando o ganho da eleição. Mas a surpresa não foi muita, quando vi que, em 80% dos comentários escritos por defensores de Feliciano, o principal argumento era o mais falacioso de todos os tempos: a bíblia.

Falácia, pela definição do nosso querido e amado dicionário da língua portuguesa, significa: "enganoso, ilusório, vão; que engana", ou seja, um argumento inválido que se disfarça de válido. O argumento "Está escrito na bíblia, portanto é verdade absoluta para todos" é tão válido quanto dizer que "Está escrito no livro Harry Potter, portanto é verdade que existem bruxos". Ou seja, a bíblia não é material de argumentação para ninguém.

A historiografia moderna não aceita a bíblia como fonte historicamente confiável. Cabe ao individuo, acreditar ou não em sua veracidade, mas é imutável o fato de que a bíblia é um livro escritos por homens, e que a história a vê como um livro de mitologias cheio de lições fictícias do comportamento que era imposto à época, 2000 anos atrás. 

Portanto, o desejo de Falaciano de impor a bíblia como lei absoluta e argumento verídico para toda a população é um absurdo de enormes proporções, visto que muitos discordam da veracidade da bíblia e/ou de deus. 

Vejam abaixo os comentários mais absurdos e esdrúxulos que encontrei online a respeito da vitória de Feliciano:

Homossexuais = Plantas (seres inanimados)
Desumanização e falta de empatia como argumentos. Sério?

Queria só saber de onde essa pessoa tirou que existe uma lei que obriga um evangélico a casar homossexuais....
Liberdade de expressão é bem diferente de liberdade de opressão.

Ameaça de dor e tortura eternas para aqueles que não acreditam em deus ou na bíblia. Realmente deus é muito amor.

Argumento falacioso! Mais nada a declarar!

Os casais homossexuais sofrem retaliação por um simples ato de amor como um abraço ou um beijo, mas os preconceituosos são eles, afinal, quem mandou não acreditar na minha bíblia e no meu deus.



Esta é realmente uma ótima pergunta.

Tradução

Cuidado: esta é uma obra de ficção. Não tome-a literalmente.
Aviso de Conteúdo: contém versos descrevendo ou defendendo suicídio, incesto, bestialidade, sadomasoquismo, atividade sexual em um contexto violento, assassinato, violência mórbida, uso de drogas ou álcool, homossexualidade, exibicionismo, vingança, diminuição de figuras autoritárias, ilegalidades e violação e atrocidade contra os direitos humanos.
Aviso de Exposição: exposição a conteúdos por longos períodos de tempo ou durante os anos de formação infantil pode causar delírios, alucinações, diminuição das habilidades cognitivas e objetivas, e, em casos extremos, distúrbios patológicos , ódio, intolerância e violência inclusive, mas não limitado, fanatismo, assassinato e genocídio.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Saudosismo Perigoso


Ter medo de mudanças e transformações é algo normal, até certo ponto. Afinal, quem nunca ficou com aquele friozinho na barriga no primeiro dia de aula? O problema é quando esse medo te impede de evoluir como individuo social e como ser humano. E o problema se torna ainda maior quando, devido ao seu medo de evoluir, você quer impedir que o mundo inteiro estagne no mesmo estágio em que você.

É comum ouvir de pessoas mais velhas, como o "mundo de antigamente" era bom, como tudo era melhor. E é ainda mais comum atualmente ver jovens com este tipo de pensamento. Toda época teve suas glórias e seus infortúnios, mas vivemos o agora, e para os grupos historicamente oprimidos as mudanças são muito bem-vindas, pois simbolizam a esperança de um futuro melhor que o hoje.

Consigo compreender o pensamento daqueles que desejam o retrocesso, desejam que o mundo regrida. Afinal, deve ser muito difícil para aqueles que sempre estiveram em posição de favorecidos pela segregação e opressão de outros, ver-se agora em posição de igualdade e não de superioridade. Deve ser muito "revoltante", não é mesmo?

O perigo é que este tipo de pensamento vem ganhando cada vez mais espaço na mídia e na política. Ser politicamente incorreto é considerado legal e ser "acusado" de ser politicamente correto é quase um xingamento. Quem não ri e não concorda com as piadinhas preconceituosas, com as propagandas misóginas e elitistas são os chatos, são as mulheres "mal comidas", são pessoas que não tem humor e que procuram "pelo em ovo". Será?

Partidos de extrema direita estão renascendo das cinzas da segunda guerra mundial e conquistando admiradores, saudosistas daqueles tempos onde tudo era mais fácil e os oprimidos sabiam seu lugar. Lembrando que partidos de extrema direita possuem ideologias como autoritarismo, anticomunismo, anti-imigração, fascismo (pessoas supostamente superiores têm o direito de dominar a sociedade enquanto se purga elementos supostamente inferiores), favorecendo uma sociedade elitista.

 
O partido ARENA, aquele mesmo responsável pela ditadura militar, que levou a tortura, morte e exílio de milhares está de volta, com partidários como Jair Bolsonaro, famoso por frases como "O objetivo é fazer o cara abrir a boca. O cara tem que ser arrebentado para abrir o bico" (sobre a prática da tortura) e "O próximo passo será a adoção de crianças por casais homossexuais e a legalização da pedofilia" (comentando a decisão do Supremo que reconheceu a união estável entre homossexuais).

O movimento da extrema direita aqui no Brasil ainda está só no começo, engatinhando. Mas nos países europeus está se fortalecendo e criando muita preocupação entre organizações que lutam pelos direitos das minorias. Partidos como a União Democrática do Centro (UDC) da Suíça e o Partido Nacional Democrata (PND) da Alemanha vem causando repulsa entre os engajados em lutas sociais e conquistando simpatizantes entre os reacionários.

A UDC, fundada em 1971, se tornou em 2003 o partido a obter a maior votação já alcançada em um país helvético e com maior número de cadeiras no senado. O partido rejeita qualquer possibilidade de aumento de verbas dedicadas à educação e à previdência social, é extremista quando se trata de políticas anti-imigração e crítica agressivamente o Islã, visando a proibição da imigração de muçulmanos para o país. O partido é constantemente acusado de xenofobia.

O PND, fundado em 1964, é um partido declaradamente neonazista. O governo alemão tenta, já a algum tempo, considerar este partido ilegal por incentivar a violência racial, mas sem sucesso, pois por ter “apenas” alguns milhares de associados, é difícil configurar como crime de ameaça à democracia. Fazem parte dos associados deste partido os skinheads. O presidente do partido recentemente fez declarações como “Vemos o perigo crescente de que a base biológica de nossa gente se reduzirá devido ao fato haver uma mistura (interracial) cada vez maior.”

Como feminista e cidadã, me preocupo profundamente que o saudosismo crie cada vez mais monstros. Pessoas protestando e lutando para retroceder o mundo a uma época que nunca existiu, mas que vive no imaginário de milhares de reacionários e conservadores, é triste e muito assustador.

Mas sou uma eterna otimista, sei (e tenho esperança) que para cada um desses reacionários extremistas existem 10 pessoas lutando por igualdade, protestando por um mundo mais justo. E, mesmo assustada e triste com estes preocupantes rumos da política, me sinto na obrigação de revidar contra o preconceito, muito mais forte e determinada. O futuro é agora e o passado nunca volta. 


sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Thinspiration

"Chame de doença
Chame de loucura
Chame de obsessão
Eu não ligo,
Eu ainda chamo de perfeição"
Exemplo de imagem presente em sites pro-ana e pro-mia.
Com as campanhas pro-ana (a favor da anorexia) e pro-mia (a favor da bulimia) cada vez mais criticadas e condenadas, uma nova campanha chamada thinspiration (combinação das palavras magra + inspiração) está dominando as redes sociais. A louca busca pelo corpo ideal mata milhares de jovens mulheres todos os anos e enquanto isso os representantes governamentais continuam fechando os olhos para o problema.

Blogs e tumblrs de thinspiration são muito parecidos com sites pro-ana e pro-mia a mensagem que passam é praticamente a mesma. Faça tudo o que for preciso, mas fique magra. A diferença entre os sites pro-ana e pro-mia e os sites de thinspiration, é que o último trabalha principalmente através de imagens. 

Imagens essas geralmente de mulheres magérrimas, tão magras que os ossos da clavícula e os ossos do quadris ficam salientes. Essas mulheres são chamadas de thinspo, o ideal da magreza e da beleza feminina. 
Alguns sites e blogs de thinspiration se dizem claramente contra anorexia e bulimia, mas incentivam o mesmo comportamento. Pelas mensagens vistas nesses sites, é possível ver que a comida e a alimentação é enxergada de forma distorcida. Se você comer um doce, por exemplo, isso é considerado horrível. Como a imagem abaixo representa. 


"Você quer ossos do quadril ou pizza?
...uma espaço entre suas coxas ou bolo?
... clavículas ou doces?
...uma barriga lisa ou refrigerante?
Não desista da perfeição."
Exemplo de imagem presente em sites de thinspiration.
 Nem preciso dizer como isso é horrível, né?
Uma relação completamente destrutiva com seu corpo e sua alimentação.

Apesar de sermos animais supostamente inteligentes, temos uma mania incrível de reprimir a todo custo as funções corporais normais, principalmente às funções corporais femininas. 
O sexo, algo completamente normal e instintivo para o corpo foi e ainda é um tabu para muitos, sendo que o desejo sexual deve ser reprimido sempre. Tivemos programas de televisão ridicularizando e coibindo a amamentação em publico, que é uma das funções corporais mais primitivas e instintivas da mulher que se torna mãe. A menstruação completamente normal para todas as mulheres, é considerado algo sujo, nojento, que até evitamos comentar e falar o nome. 
E agora para completar a opressão feminina, a moda é coibir a alimentação. Tudo que você come ou bebe é meticulosamente analisado por revistas, programas de televisão, familiares e amigos. Reprimir e condenar, o ato natural de se alimentar, é a bola da vez, para o sistema continuar com seu firme controle da sociedade e, principalmente, da parcela feminina da população.


Mulheres são atacadas constantemente por uma mídia que passa a mensagem do ideal feminino, a mulher perfeita com o corpo perfeito e a personalidade perfeita. Com isso, temos atualmente alarmantes dados que insistimos em continuar ignorar. 
- É estimado que 8 milhões de americanos sofram de distúrbios alimentares como anorexia e bulimia, sendo que desses, 7 milhões são mulheres.
- Anorexia nervosa tem a mais alta taxa de mortalidade entre as doenças psiquiátricas  inclusive maior que as taxas de depressão grave.
- Apenas 1 em cada 10 pessoas com anorexia recebem tratamento.
- Sem tratamento, cerca de 20% (1,6 milhões de pessoas, somente nos EUA) das pessoas que apresentam distúrbios alimentares graves, morrem.
- É a terceira doença cronica mais comum entre adolescentes.
- 95% das pessoas que apresentam quadros clínicos de anorexia e bulimia têm entre 12 e 25 anos. 


O capitalismo se tornou um tornado imenso e sem controle, que destrói tudo em seu caminho sem pensar nas consequências. A mídia não se importa de matar milhares de jovens todos os anos, pois a indústria de dietas fatura 40 bilhões de dólares por ano! 

Para os interessados o dinheiro justifica os meios. Justifica ensinar para meninas de 2, 3 anos de idade que elas são princesinhas perfeitinhas e magrinhas, e que devem continuar assim. Justifica usar o photoshop em uma modelo já magra para tornar ela magérrima. Justifica usar gordxs como piada, e representa-los sempre como os ridículos, sem força de vontade e comilões viciados em junk food. 

E enquanto isso os representantes governamentais que poderiam fazer algo à respeito, como implantar leis mais rígidas para a industria de beleza e dietas e efetuar um controle sério do que é veiculado nas mídias, simplesmente fecham os olhos e enchem o bolso de dinheiro.

Enquanto isso campanhas como a thinspiration ganham força e seduzem milhares de jovens por representar o ideal que é imposto a eles. 

* Dados retirados das seguintes fontes: http://www.mirasol.net/eating-disorders/information/eating-disorder-statistics.php e http://www.state.sc.us/dmh/anorexia/statistics.htm

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O Homem Feminino


“Ser um homem feminino
Não fere o meu lado masculino
Se Deus é menina e menino
Sou Masculino e Feminino...”
Música Masculino e Feminino, de Pepeu Gomes

O abismo causado pela separação de gêneros começa desde a infância. Quando ainda estamos na barriga de nossas mães. Logo que os pais e a família descobrem o sexo biológico da criança, o enxoval começa a ser preparado. Tudo azul e masculinizado para meninos, carrinhos e bonecos de ação, calças e shorts, jamais vestidos e bonecas, muito menos coisas de cores e estampas “femininas” como rosa, lilás, flores, etc. Para as meninas é um pouco menos restritivo, elas até podem usar azul e calças, como os meninos, mas é incentivada a ser o mais girlie possível, com lacinhos, vestidinhos, maquiagem e bonequinhas.

Enquanto para uma mulher é até certo ponto considerado normal, utilizar produtos do mundo masculino, o oposto é visto com maldade e extremamente criticado. Afinal não há nada demais em uma mulher usar um terninho, por exemplo, mas um homem usar um vestido seria o fim do mundo. Certo?

Há um estigma de que o homem com características femininas não é homem “suficiente”. Produtos femininos estão sendo “masculinizados” para atrair o mercado consumidor masculino. Porque o “homem de verdade” não usa produtos femininos. Isso mostra o quanto nossa sociedade está distorcida por padrões e estereótipos que não condizem com a realidade do ser humano.

Porque é normal uma mulher ter características masculinas, mas não é normal um homem ter características femininas? Será que é por que na nossa sociedade patriarcal e machista ser mulher é degradante e considerado inferior? Atualmente, a pior ofensa que se pode fazer a um homem é chamá-lo de mulher.

Desfile de Vivienne Westwood em Milão.
Achei super sexy!
Juntar homem e feminilidade é considerado um insulto, uma ofensa à masculinidade do homem, enquanto mulheres expressando sua masculinidade, seja no emprego, nas roupas ou nas atitudes, é considerado aceitável. Quando uma mulher usa um terno, ela não é considerada lésbica ou insultada por sua escolha, mas quando um homem usa um vestido automaticamente ele é considerado homossexual e insultado e ofendido por sua escolha de roupa, ou seja, um aspecto puramente ligado à aparência externa.

Produtos considerados masculinos podem ser comprados e utilizados por mulheres. É o caso das propagandas de cerveja, da camisinha e de carros. 99% das propagandas relacionadas a estes produtos só conversam com o público masculino, porém boa parte do consumo dos mesmos também é de mulheres! Mas quando é o oposto, vemos produtos “femininos” sendo masculinizados ao extremo, para que o público masculino compre e uso o produto.  Pois Deus os livre de usar um produto que não tenha a palavra HOMEM escrita bem grande e que não tenha cores “machas” e características agressivas e poderosas.

Como exemplo brasileiros, temos:
- base de unhas: a risque, marca de esmaltes e produtos para unhas, já tinha uma grande linha de bases para unha, inclusive uma fosca. Mas para os homens comprarem o produto, ao invés da base fosca comum com detalhes em branco, rosa e desenho delicado, o produto foi reformulado, com a embalagem externa e interna com a palavra homem em letras grandes, detalhes em cinza, azul escuro e preto, cores de “macho”. Por que é claro que usar uma base fosca que tem um desenho de 1cm em rosa, vai torna-lo menos homem.

- sabonete: a protex lançou dois sabonetes para homens. Por que é claro que dentre 9 diferentes tipos de sabonete comum da marca, não havia nenhum que se adequava a pele masculina, que é TOTALMENTE diferente da feminina. Sarcasmo much? Novamente vemos os produtos para o público geral, com tons de branco e cores pastéis e nomes como: suave, limpeza profunda, aveia, etc. Já o produto masculinizado, vem novamente com a frase for men (para homens), em letras grandes, cores escuras e “masculinas” como azul e verde, e tem nomes como sport (esportes) e energy (energia).

Nos EUA, os exemplos desse tipo de produto são ainda mais ridículos. Tem sopa, cereal matinal, ferro de passar roupa, refrigerante diet, velas, entre outros, todos reformulados para apelar de forma estereotipada o publico masculino.

Esses estereótipos também atingem o público feminino, afinal quem não se lembra da a revolta contra a caneta Bic for Her? Adorei e recomendo o vídeo da Ellen Degeneres sobre o assunto: 
                                         
               
É bom lembrar, que essa separação de gêneros, provém de fatores psicológicos introduzidos pela cultura presente em nossa sociedade, e NÃO por fatores biológicos. Conforme o livro “Tábula rasa - negação contemporânea da natureza humana.” de Pinker, S. Companhia das Letras:
“Homens e mulheres possuem todos os mesmo genes, com exceção de um punhado no cromossomo Y, e seus cérebros são tão semelhantes que é preciso um neuro-anatomista com olho de águia para encontrar as pequenas diferenças entre eles. Seus níveis médios de inteligência são iguais, segundo as melhores estimativas psicométricas, e eles usam a linguagem e pensam sobre o mundo físico e vivo da mesma maneira geral. Sentem as mesmas emoções básicas e ambos gostam de sexo, buscam parceiros conjugais inteligentes e gentis, sentem ciúme, fazem sacrifícios pelos filhos, competem por status e parceiros sexuais e às vezes cometem agressão ao se empenhar por seus interesses”.


Ou seja, homens e mulheres são biologicamente diferentes sim, mas essa diferença é ínfima e não justifica o enquadramento e estereótipos presentes hoje.

Ser homem ou ser mulher não é mensurável! Não existe medidor de masculinidade ou medidor de feminilidade! A sociedade atual tenta encaixar em suas “formas” o que é masculino e o que é feminino, e quando algo não se encaixa com seus pré-conceitos é automaticamente rechaçado. Felizmente, somos dotados de uma incrível inteligência, e podemos desconstruir essas medidas e aceitar que, somos todos diferentes, e que nessas diferenças é onde jaz a beleza do ser humano. 

domingo, 23 de dezembro de 2012

Protejam nossas crianças!

Natal chegando. É um momento, independente das crenças individuais, onde somos levados a refletir. É uma época do ano em que o amor, a harmonia e a paz deveriam imperar em todos os lares e famílias. Mas o que vemos é justamente ao contrário. Pessoas caminhando loucamente pelos shoppings e centros comerciais em busca de presentes que não têm o menor significado, mas que se sentem na obrigação de comprar. O nível de estresse e de nervosismo parece que aumentam a proporção que o espirito natalino se aproxima. 

É quando melhor podemos enxergar a falta de compaixão e empatia das pessoas. No frenesi de comprar mais e mais presentes, consegui compreender a proporção da violência que vivenciamos atualmente. Em todos os lugares que estive na última semana, presenciei cenas grotescas, onde era possível ver o lado mais triste do ser humano, onde foi possível ver a que ponto a humanidade chegou. Mas as cenas que mais me marcaram, foram a de pais e mães agredindo seus filhos verbalmente e fisicamente.

Como eu posso exigir e lutar para que a sociedade tenha mais empatia por grupos socialmente oprimidos, se a grande maioria das mães e pais não demonstram empatia nem sequer por seus próprios filhos? 

Sempre fui contra a educação através da violência, principalmente contra as crianças. Os pais parece que pensam que, por que aquela vida preciosa e desprotegida é de responsabilidade deles, então podem fazer o que quiser com elas. Atualmente, não ensinamos as crianças a respeitarem a si mesmas e aos próximos. Ensinamos a ter medo e a mentir, ensinamos que quando não conseguimos algo de alguém (no caso das crianças, a obediência) podemos conseguir aquilo que queremos à base do grito, à base da agressão verbal e física.

No mercado está semana dois pais gritavam com o filho, que deveria ter 8 ou 9 anos, de que se ele não se comportasse, eles iriam largá-lo dentro do carro enquanto faziam as compras. Conheço um casal que, para o filho não mexer nas coisas (que é o principal instinto da criança nesta fase, o de explorar e compreender o mundo através do tato) ou não entrar em locais indesejados por eles, falam para o pequeno, de apenas 3 anos, que "o homem" vai pegá-lo caso desobedeça. Cansei de ver nas ruas da cidade, cenas de mães e pais dando beliscões em seus filhos para que se "comportem" ou avisando, em tom ameaçador, que quando a criança chegar em casa vai levar "cintadas" ou "chineladas" devido a desobediência. 


Quando vejo essas cenas, me sinto horrível! Um sentimento de culpa e de tristeza me domina, tenho vontade de chorar, gritar, de tentar proteger essa criança de alguma forma, mas a impotência, o medo e a covardia me dominam nessa hora. E depois, ao refletir, me pergunto, até quando veremos um ser indefeso e desprotegido, sendo humilhado e agredido, por àqueles que deveriam ser seus maiores protetores, e não iremos fazer nada?

Primeiro um tapinha na mão, para a criança não repetir o erro. Mas a criança não entende o seu erro, crianças têm uma visão do mundo muito diferente dos adultos, e enquanto pequenos, principalmente até os 3 ou 4 anos, NÃO CONSEGUEM obedecer, seus instintos de querer e desejar algo, são muito mais fortes e aguçados, do que seu auto controle. Então a criança repete o ato errado, e dessa vez leva um beliscão. E ela repete novamente, pois ela não compreende, É APENAS UMA CRIANÇA, ainda está desenvolvendo seu auto controle, seus pensamentos e seus sentimentos. Mas os pais vêem aquilo como um desafio, como um jogo de poder, afinal eles já não avisaram DUAS VEZES que é errado? A criança já deveria ter aprendido né? Então eles têm que mostrar quem é o mais forte, quem está no comando e no poder ali. 


E assim, os tapinhas passam a surras, e as surras passam a espancamentos, e assim está o mundo e o Brasil. Acidentes e agressões são a primeira causa de morte de crianças de 1 a 6 anos de idade no Brasil, segundo a Unicef. Entre 2011 e 2012, aumentou em 84% a violência contra as crianças. Dados esses que mostram um desacordo com o dito popular de que "o mundo está tão violento, por que as crianças não apanham mais". Ao contrário do senso comum, o aumento da violência, acompanha o aumento das violências cometidas contra as crianças e adolescentes.


É tão óbvio, que não sei como há aqueles que se recusam a admitir. A pior forma de se educar uma criança, é aquela em que se faz o uso da violência  seja ela verbal ou física. VIOLÊNCIA SÓ GERA MAIS VIOLÊNCIA. A educação de crianças baseadas em amor, compreensão e diálogo geram cidadãos capazes de amar e respeitar ao próximo e capazes de ter empatia e compaixão.

Por isso, nessa época do ano, em que a reflexão e o desejo de fazer o bem tomam conta de nós, se realmente queremos acabar com a violência, a intolerância, o preconceito e o machismo, a solução está na educação que damos agora as nossas crianças. Sei que é clichê, mas elas são realmente a única esperança que temos de um futuro melhor. 

Por isso, neste natal e começo de um novo ano, faço um apelo a todos. Vamos cuidar das nossas crianças com mais amor, com mais empatia e mais respeito. Se você não tem filhos, passe está mensagem àqueles amigos e familiares que os têm. E se você se deparar com alguém que é totalmente à favor da agressão contra crianças, da "palmada educativa", junte-se de argumentos poderosos, textos de psicólogos e estudos e artigos sobre as consequências desastrosas da violência contra os pequenos e tente convencer esta pessoa do contrário. 

Sei que é muitas vezes exaustivo e desgastante tentar mostrar a alguém que suas atitudes e opiniões estão enganadas, e que haverá sempre alguém há quem você não conseguirá se fazer entender. Mas ao menos tente. Pois se ninguém tentar, se aos poucos não formos tentando fazer a diferença, continuaremos neste mar de conformismo e seremos coniventes com à violência cometida contra as crianças. Se você conseguir plantar a sementinha e fazer essa pessoa pelo menos refletir sobre suas atitudes, já será um passo dado em direção a mudança. Uma ação com essa pode não fazer uma grande diferença na sua vida, mas se fizer diferença na vida de pelo menos uma criança, tudo terá valido a pena. E com certeza, esse será o melhor presente de natal que esta criança receberá em toda sua vida.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A mídia e o silêncio nosso de cada dia



 Até que ponto o corpo feminino é visto como propriedade pública? Será que as mulheres tem realmente direito ao corpo delas? 

O estereótipo da "mulher perfeita" e o mito da beleza são as maiores armas da sociedade patriarcal contra a mulher. O corpo feminino deve sempre se adequar ao formato que a mídia reproduz como o adequado, pelo menos é isso que a todos nos dizem. E se você não nasceu "perfeita", a mídia capitalista te ensina desde a mais tenra idade: "você precisa consertar isso, você precisa ser perfeita, você precisa se encaixar no padrão", e para nos "ajudar" a alcançar este conceito imaginário de perfeição, o mercado e a mídia capitalista nos oferece uma variedade de "soluções", a um preço bem alto claro, como sapatos, maquiagens, roupas de "marca", depilação, manicure, cabeleireiro, cirurgia plástica, cremes rejuvenescedores e dietas dos mais variados tipos. E claro que tudo isso deve ser feito com o seu corpo para que você consiga a "graça e a benção" de amarrar um homem, ou de atrair olhares masculinos, o que fica bem explicito até nas propagandas de absorventes femininos. Afinal tudo o que você pensa quando compra um absorvente é se você vai conseguir atrair olhares masculinos enquanto estiver usando, né?

Propaganda Intimus Gel "Aeroporto"
Além das propagandas consumistas e capitalistas, temos as séries de televisão, as novelas, os jornais e diversos outros meios, onde são incentivados comportamentos que normatizam a submissão feminina, a noção da mulher como uma propriedade masculina (seja do pai, do marido, do namorado) e a cultuação da objetificação e hiper-sexualização do corpo feminino.

Dessa forma a mídia consegue, de forma muito eficiente, fazer com que a mulher perca o poder e o direito de decidir sobre o próprio corpo. Afinal ela nos ensina que tudo o que compramos, tudo o que vestimos, tudo o que fazemos com nosso próprio corpo deve ser feito de acordo com o que a sociedade machista deseja de façamos, para agradar os olhares masculinos e obter a aceitação da patriarcado. Não de acordo com nossos próprios desejos, com nossas próprias vontades. Embora alguns possam ver as verdadeiras intensões capitalistas da mídia, a grande maioria (por falta de informação ou por vontade de continuar cego) a segue como verdade absoluta, como uma realidade imutável e normal.


Existe uma polêmica em torno do controle da mídia. Alguns dizem que é censura, mas a questão é que a desculpa da "liberdade de expressão" usada para continuar incentivando preconceitos e reforçando estereótipos é um discurso cada vez mais fraco, pois a realidade é que o direito de qualquer um, inclusive da mídia, de se expressar livremente têm um limite, e este limite acaba quando se atinge o direito do próximo de ser respeitado. Também é comumente usada a desculpa de que a mídia dá o que o povo quer ver, mas aonde fica a responsabilidade da mídia e do governo nisso? A mídia é capaz de influenciar milhões de pessoas, e tem poder para direcionar o caminho da sociedade. É capaz de criar revoluções e também de cegar as pessoas, quando isso protege seus interesses. Se a mídia têm esse poder, ela deve ser responsabilizada pelas informações que propaga, e deve haver um controle e uma fiscalização muito minuciosas e cuidadosas do que está sendo veiculado para a sociedade.


Com o apoio da mídia, a sociedade patriarcal consegue manter o conceito do corpo feminino como propriedade pública e, consequentemente, mantém viva e ativa a cultura de estupro. Relatos de vítimas que sofreram abusos sexuais, físico e psicológicos, e, principalmente, a reação das pessoas em relação a esses relatos, expõe esta normatização da sociedade. Procura-se inúmeras justificativas para culpar a vítima e/ou as circunstâncias ao invés de culpar o agressor: se a mulher estava bêbada a culpa é dela por ter ficado tão embriagada, se a mulher estava com uma roupa muito curta a culpa é dela pois mulher que anda de roupa curta está pedindo para ser insultada na rua, se a mulher estava caminhando sozinha a culpa é dela que deveria estar acompanhada de alguém por ser perigoso andar sozinha por aí. Um homem andando em uma rua perigosa e escura a noite pode ter seus bens materiais tirados e até sua vida tomada, mas uma mulher na mesma situação teme muito mais que isso, ela teme ter roubada a sua dignidade, o seu intimidade, a sua paz, a sua alma.


Os danos psicológicos e físicos causados com todo esse preconceito e ódio circulando contra as mulheres estão nos destruindo: as taxas de depressão entre as mulheres são duas vezes maiores que a dos homens, mais da metade da população feminina tem transtornos alimentares, mais de 40 mil feminicídios  ocorreram na última década só no Brasil (lembrando que, diferente das mortes por violência cometida por homens contra homens, o feminicídio é o ato de tirar a vida de uma mulher por preconceitos de gênero, geralmente por ser considerada como uma propriedade masculina), estudos mostram que 43% das mulheres brasileiras afirmam já terem sofrido alguma forma de violência sexual e doméstica, 13% relataram que foram estupradas, porém é estimado que apenas 10% a 20% desse total denunciam o abuso.

O pior de todos esses danos é o silêncio. Internalizamos nossa dor, pois aprendemos no nosso cotidiano, nas notícias e nas mídias, que a palavra de uma mulher contra um homem, na grande maioria das vezes, não tem valor. Aceitamos caladas todos os dias aquele homem nojento te chamando de "princesa" e passando a mão no seu corpo sem o seu consentimento no metrô;  aceitamos caladas quando aquela moça boazinha do nosso trabalho chega na manhã de segunda-feira com as marcas de uma violência doméstica no rosto; aceitamos caladas quando somos chamadas de "vadia" ou de "puta" na rua pelo fato de ter escolhido usar um vestido naquele dia; aceitamos caladas a notícia de um estupro de duas jovens em um show e ouvimos silenciosamente nossos amigos e parentes condená-las e dizerem que a "história está mal contada"; aceitamos caladas quando vemos uma amiga começar a forçar o vômito todos os dias após almoçar pois o namorado dela falou que ela está feia por que engordou; aceitamos caladas uma menina de 10 anos chorando e falando que quer morrer por que ela engordou 2 quilos; aceitamos caladas todas as agressões praticadas contra nós, sejam elas explicitas ou não.


Eu escolhi não me calar nunca mais. E você?